quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Comunidades Quilombolas de Campos dos Goytacazes, (Conceição do Imbé, Aleluia, Batatal e Cambucá) reconhecidas pela Fundação Palmares

No final do século XVIII, a região de Campos dos Goytacazes concentrava o maior contingente de escravos da província do Rio de Janeiro: 60% da população era escrava. Os africanos trazidos para a cidade do Rio de Janeiro eram negociados no mercado de escravos, na periferia da cidade, e enviados em embarcações para a região do Norte Fluminense. A maioria dos escravos que chegavam vinha da região de Luanda (Angola) para trabalhar nos engenhos de açúcar da região.
O maior engenho, o de Nossa Senhora da Conceição e Santo Inácio, possuía 1.400 escravos. A produção açucareira teve um crescimento contínuo e progressivo que motivou também um comércio crescente de escravos durante o século XIX. Como a produção estava voltada para o mercado interno, a região sofreu menos os efeitos da crise açucareira que os engenhos do Nordeste, afetados pelas medidas protecionistas da Inglaterra. Antes da abolição, o município tinha 35.688 escravos sobre um total de população livre de 56.00 habitantes, sendo a região com o maior número de escravos de toda a província do Rio de Janeiro.
Cabe também destacar sobre a região de Campos que existe um grande número de registros da “rebeldia negra”, com ações de resistência e violência contra senhores.
Após a abolição, a maior parte dos antigos escravos continuou trabalhando como cortadores de cana nas fazendas da região.
A fazenda Novo Horizonte, localizada nas proximidades de Conceição do Imbé, era uma das maiores e os antigos escravos, que viraram cortadores de cana assalariados após a abolição, continuaram a morar nas dependências da usina.
Como nasceu o Assentamento Novo Horizonte (Conceição do Imbé, Cambucá, Batatal e Aleluia).

Os ciclos da comunidade

Na década de 1970, com os incentivos do Programa Governamental Proálcool, as usinas da região de Campos foram beneficiadas com empréstimos a juros baixos e incentivos. Esta política de incentivos foi interrompida na década de 1980, com a Nova República e, como conseqüência, algumas usinas, como a Novo Horizonte, alegando incapacidade para pagamento das dívidas com o governo, foram à falência. Conversando com representante da Associação de Moradores de Conceição do Imbé, lembrava-se que, durante este período, a comunidade viveu dramáticas dificuldades de sobrevivência material, sendo difícil conseguir alimento para os moradores e atenção hospitalar para as crianças, que apresentavam quadros de desnutrição.
Lembrava também que as primeiras ações de ajuda não foram do poder público. O ex-governador do estado do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, naquela época ainda radialista, recebeu um grupo de moradores e fez um apelo aos ouvintes para que fossem feitas doações.
Neste contexto, a comunidade inicia um processo de desagregação. Muitos moradores começaram a migrar para outras localidades, à procura de trabalho ou moradia. Ficaram na comunidade umas poucas famílias, mas este processo se reverte em fins da década de 1980, quando a região é escolhida pelo Plano Nacional de Reforma Agrária. Em 1987, a área agrícola da fazenda Novo Horizonte é desapropriada, garantindo a distribuição da terra e o “assentamento” dos trabalhadores agrícolas. Em 1990, foram assentadas aproximadamente cento e trinta famílias — a maioria originária da comunidade — que produziam principalmente feijão e milho.
Um ano depois, o número de famílias assentadas passa para duzentos e cinqüenta, incorporando famílias de outros locais. Inicia-se, assim, um novo ciclo comunitário, associado às mudanças na base territorial, organizativa e identitária da comunidade.
No ciclo anterior, a Comunidade de Conceição do Imbé foi caracterizada como tradicional, marcada pela estabilidade territorial e organizativa e uma identidade social gerada endogenamente. Já neste novo ciclo, trata-se de uma comunidade tradicional em transformação. À diferença da identidade social como cortadores de cana, construída endogenamente, neste novo ciclo comunitário emerge a nova identidade de assentados, subjacente à política de reforma agrária.
Consolida-se, portanto, uma nova identidade de reconhecimento, agora, de origem externa e prescritiva, vinculada às transformações na organização social e territorial da comunidade, e também pela atuação de outros agentes externos, como sindicatos e instituições públicas (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Açúcar de Campos, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos, EMBRATER, EMATER e INCRA, dentre outros), com os quais a comunidade começou a interagir, gerando uma rede de solidariedades horizontais.

Texto: Leandro Henriques (Colaborador do Instituto Historiar de Campos dos Goytacazes).

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